Características da cerâmica indígena brasileira

A execução de artefatos em argila é um aspecto presente na maioria das comunidades indígenas brasileiras, sendo uma atividade essencialmente feminina com exceção para os grupos Yanomâmi, Waharibo e os Yekuana. Entre alguns outros grupos a produção é realizada com a participação masculina em algumas etapas. Segundo Lima (1987, p.174) nos povos Waurá os homens participam da coleta e do transporte da argila, esse é um aspecto novo devido ao aumento da produção. Entre os Júruna tanto homem quanto mulher conhecem a tecnologia, mas os homens só participam do processo de modelagem. Já entre os Tapirapé, os homens produzem cachimbos enquanto que as mulheres fabricam panelas.
De maneira geral o processo de manufatura da cerâmica entre os povos indígenas obedece, em linhas gerais, a uma mesma seqüência operacional, com pequenas variações de caráter local que são, na maior parte das vezes, de caráter simbólico. A técnica utilizada pela maioria dos grupos indígenas é a do acordelado: superposição de rolos de argila a partir de uma base, em forma de anéis ou espirais. Como exceção, registra-se o grupo Tapirapé, que modelam diretamente suas peças em uma massa de barro - nos demais grupos essa técnica é destinada somente para peças pequenas.
O processo operacional tem início com a obtenção da argila, retirada das margens ou leitos de rios ou córregos. Para coleta normalmente aproveita-se o período das secas, quando as águas dos rios encontram-se baixas, sendo muito comum a participação dos homens nesta tarefa, em função do grande esforço necessário. A qualidade do material pode ser testada através do tato, rolando o barro entre os dedos, ou através do paladar, como entre os Turiyó que o provam. A argila é previamente examinada e normalmente sofre uma preparação como a retirada de impurezas (fragmentos vegetais, minerais, seixos). Livre de detritos a argila é amassada sendo simultaneamente testada sua consistência – é muito comum deixar a argila repousar por vários dias antes de sua utilização.
Fig. 01- Transporte do barro.



Para redução da plasticidade os índios empregam substâncias orgânicas (fibras vegetais como palha, raízes; ossos moídos, estrume), inorgânicas (areia, terra, mica, pedras calcárias) bio-minerais (cascas de árvores ricas em sílica, denominadas caraipé), ou mesmo materiais já transformados pelo homem como cacos de cerâmica triturados.













Fig. 02- A casca do caraipé (Licania scabra), armada em pirâmide, é queimada lentamente.
















Fig. 03- Socando a cinza do caraipé.








Fig. 04- Peneiramento da cinza do caraipé. Somente o pó mais fino é aproveitado como tempero do barro.











Fig. 05- Argila e antiplástico em proporções quase iguais
são amassados juntos.
Os primeiros gestos de fabricação das peças consistem na confecção de roletes, comprimindo-se a barra entre as mãos, sobre a coxa, ou de encontro a uma tábua. Inicialmente é feito o fundo do vaso, a partir de uma quantidade de barro amassado e batido entre as mãos, ou sobre uma superfície plana e lisa, até formar uma base achatada e circular. A partir desse fundo, vão sendo gradativamente colocados os roletes, justaposto até formar as paredes. É mais freqüente a disposição dos rolos em anéis sucessivos do que na forma espiralada. O alisamento dos roletes é feito durante o processo de justaposição, interno e externo, em sentido vertical e horizontal; assim são apagados os vestígios de roletes e a pressão empregada faz com que as paredes se tornem mais finas.
Fig. 06 - Preparação dos roletes em cima de uma tábua.

Fig. 07- Início da modelagem de um pote.

Fig. 08- Alisamento da peça feito com um fragmento côncavo de cuia.

Fig. 09- Retoque da borda do pote com os dedos.

Alcançando a forma desejada, geralmente pautada pela utilidade, a peça é levada a secar em local fresco e arejado, à sombra, de um dia para outro, ou mais raramente durante vários dias. Uma exposição direta ao sol pode trazer danos à peça, na medida em que a ação do calor não se exerce uniformemente, podendo ocasionar rachaduras.
Com o barro parcialmente seco e com o auxilio de instrumentos como: conchas, pedaços de cabaça, colher de metal, etc., a raspagem é feita na peça a fim de regularizar a superfície e eliminar asperezas. Em seguida é feito o polimento, geralmente com seixos molhados, cacos, palha de milho, sementes, etc., deixando marcas bem visíveis, em alguns casos brilhosa. A esta altura procede-se a decoração plástica da peça. Sobre a argila são feitas incisões, mediante o uso de objetos cortantes, unhas, etc., formando motivos geométricos; ainda são aplicados apêndices como alças, asas, figuras zoomorfas. Uma segunda secagem torna-se necessária para enrijecer a cerâmica, antes de se processar a queima. É freqüente o uso de escoras para evitar deformações.
Para queima, arma-se uma fogueira, cujo tamanho varia em função da peça a ser queimada, em geral usa-se lenha e casca de árvores em arranjo cônico; isto garante uma queima uniforme. As peças grandes são queimadas individualmente e as pequenas em grupo, emborcadas no interior da fogueira. Em alguns casos são apoiadas em trempes (cones cerâmicos, pedras) onde são totalmente envolvidas pelo fogo durante uma ou duas horas. Eventualmente os vasos são revirados de modo a queimar por igual e, dependendo do tempo de exposição ao fogo, podem ficar esbranquiçadas, avermelhadas ou em brasa. Muitas vezes chegam a ficar incandescentes e estas são as mais bem queimadas.